quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

PARTICIPAÇÃO POPULAR É CIDADANIA * Anjuli Tostes / Brasil de Fato

PARTICIPAÇÃO POPULAR É CIDADANIA

Conselho e Sistema de Participação Social: entenda estruturas criadas pelo governo Lula
Objetivo será fazer a participação social parte da máquina pública, para além do discurso ou das boas intenções
Anjuli Tostes
Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) Fevereiro de 2023.

Lançamento do Conselho de Participação Social e do Sistema de Participação Social Interministerial pelo presidente Lula - Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto

Por Anjuli Tostes*

Palco de eventos presidenciais, o imponente átrio do Palácio do Planalto estava diferente. Vidros trincados e madeirites tampando janelas denunciavam o desprezo colérico que tomou conta da Sede do Executivo Federal dias atrás. Os sinais de destruição, no entanto, contrastam com os sorrisos e os gestos animados dos participantes, que não paravam de chegar e se dirigiam, sem muita pressa, para perto do palco. O formigueiro multicolorido se dividia em rodas, aglomerações maiores e menores, abraços calorosos de velhos amigos e apertos de mão. A torrente fazia com que as pessoas se esbarrassem com frequência para conseguir se movimentar. As expressões acolhedoras perante os pedidos de desculpas mostravam que o contato corporal não era, necessariamente, um problema, ou mesmo algo indesejável.

A desconexão entre o cenário e o clima festivo não era a única coisa que, imageticamente, tornava aquele momento singular. O figurino dos presentes se diferenciava, de forma gritante, dos tradicionais ternos cinzentos e pretos - ou, seguindo a tendência atual, em tom azul royal – que costumam desfilar pelo Salão Nobre. Cocares, colares, camisetas. Indígenas, mulheres, gente preta. Bandeiras, muitas bandeiras. Para vários dos habitués das solenidades do Palácio do Planalto nos últimos seis anos, aquele dia, e não o 8 de janeiro, representava uma verdadeira invasão. Para os que estavam ali, no entanto, o sentimento era bem outro. Era o povo que voltava, emblematicamente, a adentrar os espaços de poder.


Transcender ao símbolo, no entanto, não será tarefa fácil. Naquele dia, o presidente Lula assinou dois decretos, que instituíram, respectivamente, o Conselho e o Sistema de Participação Social Interministerial. O Conselho de Participação Social dá continuidade aos trabalhos iniciados durante a transição governamental e é presidido pelo próprio Presidente da República. Além de autoridades da Secretaria-Geral da Presidência da República – o Ministro, a Secretária-Executiva Adjunta e os três Secretários Nacionais -, integram o Conselho 68 representantes de organizações indicadas e designadas em ato do Ministro de Estado da SG/PR – superando, numericamente, as 57 existentes durante a transição.

Por sua vez, o Sistema de Participação Social Interministerial - é formado pelas recém-criadas “Assessorias de Participação Social e Diversidade” dos Ministérios e pelas unidades administrativas responsáveis pela área de participação social. No centro do sistema está a Secretaria-Executiva da SG/PR. Segundo o Decreto 11.407/2023, que o instituiu, o Sistema de Participação Social terá como missão “estruturar, coordenar e articular” as relações do governo com os diferentes segmentos da sociedade, de forma transversal às políticas públicas.

Os assessores e assessoras de participação social, referências da política de participação social em cada pasta, deverão ser, nas palavras do Ministro de Estado da SG/PR, Márcio Macêdo, servidores que “gostem do povo e tenham compromisso com o povo”. A estes, caberá articular e fomentar as relações políticas de cada ministério com a sociedade civil, fortalecer e coordenar os mecanismos e as instâncias de participação social, bem como definir diretrizes e orientações para as parcerias e relações com organizações da sociedade civil. Competirá a estes, ainda, assessorar direta e imediatamente as ministras e ministros de Estado na formulação de políticas e diretrizes para a promoção da participação social, da igualdade de gênero, étnica e racial, e para a proteção dos direitos humanos e o enfrentamento das desigualdades sociais e regionais.


Governo federal instituiu assessorias de participação social e diversidade nos ministérios / Reprodução/YouTube


O projeto busca estar à altura dos desafios postos. As estruturas, tanto do Conselho quanto do Sistema, visam a fazer da participação social parte do dia a dia da máquina pública, para além do discurso ou das boas intenções. Visam, em uma palavra, fazer o povo presente, seja no conteúdo como na forma de promover as políticas públicas.

No entanto, entre a existência de uma estrutura com competências bem definidas e o avanço efetivo da democracia direta e do controle social há uma distância importante, e isso torna o desafio ainda maior. É preciso, para além de fomentar, coordenar e articular, também medir.

São fundamentais, portanto, o monitoramento e a avaliação contínua das políticas de participação social para que os insumos gerados nos processos participativos sejam de fato considerados pelos gestores na formulação e execução das políticas públicas. Do contrário, mecanismos que possuiriam um caráter pedagógico, do ponto de vista democrático, poderão ter um efeito contrário, gerando frustração, deslegitimação e abandono. É necessário produzir um sistema de indicadores que permita avaliar, principalmente, a eficácia e a efetividade da participação social, de modo que o valor democrático intrínseco das instâncias e mecanismos participativos seja potencializado.

Importa, também, que as políticas de participação e de transparência caminhem lado a lado. A participação da população só é efetiva quando é bem informada. No entanto, não basta que os dados necessários aos processos participativos estejam em linguagem e formato acessíveis aos diferentes segmentos da sociedade. O próprio modo de funcionamento dos mecanismos e instâncias de participação também precisa ser “transparente” – ser compreensível a seus interlocutores, dialogar com os modos de vida das populações que se visa a politicamente incluir no território.

Aqui, deve-se atentar, em especial, à importância de se levar em consideração as singularidades das populações tradicionais, que, para além do aspecto linguístico, se diferenciam também na sua forma subjetiva de perceber e estar no mundo. A criação do Ministério dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial terá um papel relevante para ampliar as possibilidades de os povos indígenas e comunidades quilombolas terem voz sobre as políticas e serviços públicos que afetam diretamente as suas vidas. Mais ainda, para potencializar a expressão de sua cosmovisão na disputa com o modo de vida profundamente destrutivo para o planeta que o sistema econômico que tem no lucro e na acumulação seu valor maior representa.

Por fim, tanto para medir quanto para traduzir é necessário entender. Fazer o povo presente passará por recompor o tecido social rompido, e, para isso, será necessário superar as condições que levaram ao crescimento do fascismo no Brasil, sem perder de vista de que o fenômeno que temos diante de nós ultrapassa fronteiras. Estamos prontos para dialogar com os que querem nos destruir? A retomada da trajetória democrática tem desafios enormes, que superam as perdas patrimoniais expressas nas janelas e obras de valor histórico e cultural vandalizados. Investir em diagnósticos envolvendo pesquisas sociais, etnologias, grupos focais será fundamental para nos ajudar a reencontrar o caminho.

* Anjuli Tostes é Advogada Popular, Auditora da Controladoria-Geral da União, Doutoranda em Direito e Economia na Universidade de Lisboa e integrante da Secretaria de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD.
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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

MANIFESTO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - O QUE MANTER E O QUE MUDAR * JORNAL DO BAIRRO/RJ

MANIFESTO: PMCMV - O QUE MANTER E O QUE MUDAR?
MINHA CASA MINHA VIDA SÃO GONÇALO.RJ


Ao Presidente da República Sr. Luiz Inácio Lula da Silva

Ao Ministro das Cidades Sr. Jader Barbalho Filho

Nós, estudiosos(as), pesquisadores(as), professores(as) universitários(as), profissionais, gestores públicos e lideranças sociais de todo Brasil, dedicados ao tema da habitação e do urbanismo, abaixo assinados, vimos, muito respeitosamente, fazer sugestões à nova versão do Programa Minha Casa Minha Vida anunciado por Vossas Excelências como parte dos programas de governo a serem implementados a partir deste ano de 2023.

Antes de focar no Programa, que é a razão deste documento, queremos mencionar a importância de todas as atividades do Ministério das Cidades, previstas na estruturação das Secretarias de Saneamento Ambiental, de Mobilidade e Trânsito, de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano e na inovadora Secretaria dos Territórios Periféricos, e enfatizar a necessária visão sistêmica do espaço urbano que deve nortear toda a atividade, incluindo a Secretaria de Habitação.

O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) teve méritos indiscutíveis para as mais de 5 milhões de famílias beneficiadas com moradia entre 2009 e 2016. Nunca nenhum programa de moradia do governo federal alcançou tal dimensão em período tão curto e, o que foi inédito, garantiu ainda expressivos subsídios de forma a permitir o acesso à moradia à população de mais baixas rendas. Pela primeira vez na história do país um programa habitacional deu prioridade para a chamada Faixa 1 composta pela população com rendimentos de até R$ 1.800. Entretanto, quando vivemos a possibilidade alvissareira de um novo governo retomar políticas sociais tão importantes, como é o caso da política habitacional, é preciso atentar para a necessidade de aprimorar o programa de forma a evitar a repetição de equívocos.

O maior problema do PMCMV 1 (2009) e o PMCMV 2 (2011) foi, sem dúvida, a localização fora das áreas consolidadas das cidades de parte expressiva dos empreendimentos, ou seja, nas periferias distantes, desprovidas de equipamentos públicos, distantes do comércio, dos empregos, do transporte adequado, em áreas que, não raramente, acabaram sob o domínio do crime organizado ou das milícias constituindo bolsões de pobreza situados nas periferias distantes. Não há dúvidas de que o PMCMV garantiu o direito à moradia para pessoas de baixa renda, mas, ao não conseguir equacionar o direito à cidade, foram muitas as consequências sociais e econômicas, já que alimentou a especulação fundiária nas terras vazias e a urbanização dispersa, como revelaram vários estudos.

A principal causa desse problema está na modalidade conhecida por “empreitada global”, que transfere a uma única empresa privada, responsável pelo empreendimento, a definição do terreno e a localização das moradias, os projetos de urbanismo, arquitetura e engenharia e a execução da obra. Dessa forma, preocupações com a melhor localização do empreendimento e qualidade de projeto e obra ficam totalmente subordinadas a prioridades contrárias ao interesse público.

Essa foi a forma de aplicação de 98% do orçamento do PMCMV, visto que, por não ter sido equacionado o manejo fundiário a cargo dos municípios, acabou por reproduzir o padrão de urbanização que lança as camadas populares para as franjas urbanas. Não foram poucos os casos de municípios que ampliaram o perímetro urbano legal para incluir empreendimentos nas periferias extremas. A ausência de instrumentos que pudessem dar aos Estados e municípios maior protagonismo, não estimulou avanços relacionados à função social da propriedade da terra prevista no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores.

Outro problema decorreu do grande porte de parte dos empreendimentos e também aos projetos urbanísticos e arquitetônicos, muitas vezes inadequados. Como exemplo, pode-se citar a falta de diversidade arquitetônica das tipologias definidas sob direção das construtoras que levou a problemas de conjuntos com densidade de ocupação inadequadas em relação à morfologia urbana em que se inseriram. O PMCMV não apresentou nenhuma inovação de tipologias baseadas, por exemplo, em casas sobrepostas, possibilidade de comércio nos térreos, ou outras soluções.

O subprograma PMCMV Entidades, ao contrário, mostrou como o protagonismo dos movimentos populares com assessorias técnico-sociais – de arquitetos(as), engenheiros(as), assistentes sociais, sociólogos(as), acompanhando todo o processo da escolha da terra, da elaboração do projeto, da execução da obra, e da pós ocupação – pode garantir empreendimentos com melhor localização, melhores projetos e melhor qualidade das obras, embora tenha sido responsável por apenas 1,33% das moradias contratadas do orçamento total do PMCMV e 4,1% das moradias contratadas na Faixa 1.

Sabemos do grande potencial que um programa como o PMCMV tem de gerar emprego e renda e por esse motivo, e devido à inquestionável necessidade de atenção à crise habitacional no Brasil é que fazemos as seguintes sugestões:

EM RELAÇÃO À PRODUÇÃO DE NOVAS MORADIAS

Valorizar o protagonismo da relação federativa fortalecendo a participação dos municípios, dos governos estaduais e das cooperativas populares na definição de projetos e terrenos melhor localizados na malha urbana ou edifícios ociosos em áreas centrais urbanas. Estimular governos municipais na aplicação dos instrumentos da Função Social da Propriedade prevista no Estatuto da Cidade de modo a garantir o direito à cidade além do direito à moradia. Exigir que municípios destinem terrenos ao programa, de forma que tenham maior responsabilidade quanto à sua localização. Priorizar a destinação à Habitação de Interesse Social de imóveis da União que tenham vocação para esse uso.

Diversificar os produtos habitacionais com a reintrodução de lotes urbanizados, reforma de edifícios existentes, melhorias habitacionais, locação social e exigir projetos de melhor qualidade, mais adequados a cada realidade física e ambiental seguindo caminhos apontados nas propostas no primeiro Governo Lula, bem como na Lei do FNHIS (Lei de Habitação de Interesse Social de 2005), na Lei 11.888/2008 de ATHIS( Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social, no PlanHab (Plano Nacional de Habitação de Interesse Social) de 2009.

Estabelecer que a etapa de escolha da terra e de elaboração do projeto arquitetônico e urbano, não sejam de responsabilidade da empresa construtora. Dessa forma, sendo possível incentivar concursos públicos de projetos e outras modalidades de licitação, o que poderia abrir para os municípios a possibilidade de inovação na qualidade dos projetos arquitetônicos e urbanos, melhorando a implantação dos conjuntos. E rever especificações de projeto adotadas pelo Ministério das Cidades e CAIXA, buscando melhor qualidade para a moradia e para a cidade.

Exigir frequência no Trabalho Técnico Social em empreendimentos, com início antes da entrega da obra, de modo que as famílias atendidas possam construir laços de vizinhança e a corresponsabilização com relação à manutenção. Prever acompanhamento técnico-social no pós-entrega, de modo a garantir a estrutura coletiva de gestão do conjunto habitacional.

Fortalecer o MCMV-Entidades, destinando maiores recursos à modalidade, tendo em vista que esta obtêm melhores resultados em termos arquitetônicos e urbanísticos, gera efeitos multiplicadores na economia local, além de gerar vínculos sociais e pertencimento no processo de viabilização.

Constituir um subprograma específico para a reabilitação de edifícios ociosos de áreas centrais das nossas cidades. No âmbito do MCMV-Entidades, especialmente em São Paulo, houve inúmeros projetos exitosos, com os municípios em muitos casos oferecendo prédios públicos, desapropriados ou retomados a partir da aplicação dos instrumentos urbanísticos como contrapartida. Dado o número de unidades vazias nos centros das cidades brasileiras, que pode chegar a quase 5 milhões de unidades, essa vertente merece ser estruturada como uma modalidade específica do PMCMV.

Com tais propostas, mais plurais, mais racionais do ponto de vista do desenvolvimento urbano, tentas à diversidade das necessidades sociais e urgências ecológicas, podemos alavancar a economia, mas também construir um novo paradigma para a política habitacional, agora coerente com o direito à terra urbanizada, com coerência no uso e ocupação do solo ( urbanização compacta), e ainda baixo impacto ambiental, novos padrões de projeto e construção, de consumo de água e energia (energia solar por exemplo),

Cabe acrescentar ainda que tão importante como construir novas moradias para a saúde pública e o meio ambiente é a reforma das moradias existentes acompanhadas de processos de urbanização (que incluam o saneamento e a mobilidade sustentável) e regularização, da prevenção e eliminação de riscos (com Soluções Baseadas na Natureza) e equipamentos sociais que ofereçam oportunidades de educação em tempo integral, cultura, esporte, lazer e alimentação para crianças e jovens das periferias urbanas.

Para finalizar, queremos manifestar nosso compromisso com o esforço de reconstrução do Brasil, com o combate à desigualdade e defesa da democracia e soberania nacionais que constituem a tarefa histórica deste governo.