O diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), em 2008, não impediu que Ricky Ribeiro, na época com 28 anos, lutasse para colocar em prática suas ideias. Graduado em Administração Pública pela FGV-EAESP, com mestrado em Sustentabilidade pela Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha, o jovem administrador público usou sua experiência nas áreas da mobilidade urbana e sustentabilidade para criar o Mobilize (www.mobilize.org.br), o primeiro portal brasileiro sobre mobilidade urbana sustentável. Atualmente, Ricky está em uma cadeira de rodas, com comprometimento da movimentação e da fala, o que não o impede de seguir trabalhando ativamente com auxílio da tecnologia e das pessoas que o cercam, mobilizando, literalmente, outras pessoas.
Lançado esta semana, trazendo um estudo inédito sobre a mobilidade urbana em capitais brasileiras, o www.mobilize.org.br, não tem fins lucrativos e foi concebido com o objetivo de estimular o debate sobre o tema de mobilidade urbana e despertar a mobilização dos cidadãos nas grandes cidades. Conversamos com o idealizador deste projeto para saber mais sobre este assunto - mobilize-se também e confira a entrevista!
Portal Mara Gabrilli: Como surgiu a ideia do Mobilize?
Ricky Ribeiro: Meu interesse por mobilidade e urbanismo ganhou importância quando fui morar em Barcelona para cursar um Mestrado em Sustentabilidade. Fiquei encantado em constatar que a qualidade de vida das pessoas poderia ser infinitamente maior em uma cidade com uma disposição urbana inclusiva, que valoriza os espaços públicos, estimula a convivência social entre diferentes grupos e classes e prioriza os meios de transportes públicos e não motorizados. Depois de usufruir, durante dois anos e meio, deste estilo de vida em uma cidade compacta e acolhedora, comecei a estudar o assunto e a vislumbrar maneiras para melhorar a qualidade de vida nas cidades brasileiras.
No final de 2008, ao ser diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), tive que deixar meu trabalho como Consultor em Sustentabilidade e me adaptar a uma nova realidade. Em janeiro de 2011, cansado de me dedicar quase que exclusivamente a diferentes tratamentos, comecei a pesquisar e ler muito sobre mobilidade urbana sustentável. Ao me deparar com muitas informações dispersas pela internet, me veio a idéia de criar um portal para agregar, produzir e disseminar conteúdo de qualidade e relevância relacionados à temática.
PMG: O que você pretende alcançar com o portal?
Ricky: Pretendemos fomentar o debate público sobre mobilidade urbana sustentável no Brasil e ser um agente de educação e transformação social, disseminando uma cultura cidadã participativa em benefício da melhoria da qualidade de vida nas cidades. Talvez seja uma proposta um pouco pretensiosa mas, como pensar pequeno ou pensar grande despende a mesma energia, gostaríamos que o portal Mobilize se tornasse referência no assunto de mobilidade sustentável.
PMG: Quais as principais áreas da mobilidade urbana o portal pretende abordar?
Ricky: O foco do Mobilize é o transporte coletivo (sistemas de transporte sobre trilhos, como metrôs, trens e bondes modernos (VLTs), ônibus "limpos"), e o meio de transporte chamado “não motorizado”, que inclui bicicletas e pedestres.
Queremos reforçar também a importância de se ter calçadas confortáveis, niveladas, sem buracos e obstáculos, porque um terço das viagens realizadas nas cidades brasileiras é feita a pé ou em cadeiras de rodas.
PMG: Como as pessoas poderão participar do conteúdo do canal?
Ricky: O Mobilize surge como uma ferramenta de informação, reflexão e mobilização para o cidadão. A seção Mobilize-se é um espaço interativo totalmente dedicado à participação das pessoas onde os cidadãos, as ONGs, as empresas e os governos podem compartilhar suas idéias, projetos e ações em prol da mobilidade sustentável.
Na seção “Compartilhe situações” o usuário poderá registrar e compartilhar casos que favorecem ou prejudicam a mobilidade na sua cidade; em “Divulgue ações” as empresas, ONG´s e Governos poderão divulgar campanhas, eventos, projetos, estudos, audiências públicas, etc. Estes são alguns exemplos de como as pessoas poderão participar no portal.
PMG: O portal é acessível para pessoas com deficiência?
Ricky: Nesta versão inicial do portal, não existe adaptações específicas para as pessoas com deficiência visual, mas temos a intenção de, assim que possível, torná-lo acessível a todos.
PMG: O que falta para que as grandes cidades brasileiras alcancem o patamar de cidades modelos em mobilidade?
Ricky: Será necessária uma mudança de paradigma para as grandes cidades brasileiras alcançarem o patamar de cidades modelos em mobilidade. É preciso desenvolver um planejamento urbano, a longo prazo, com foco nas pessoas e não mais nos automóveis, como vem sendo feito até hoje. É imprescindível fazer pesados investimentos em transportes coletivos de qualidade além de integrar, no mesmo espaço, diferentes modais. É necessário re-significar as ruas para que elas voltem a ser espaços de convivência onde ciclistas e pedestres possam circular livremente sem medo de serem desrespeitados pelos motoristas.
Gosto muito de uma frase do Gilberto Dimenstein que ele ouviu de um urbanista. “A qualidade de uma cidade se mede pelo tamanho de suas calçadas”. As cidades modelos em mobilidade são aquelas que são inclusivas e agregadoras; onde o poder público e o privado interagem e se complementam; onde cada cidadão sente que a pertence por sentir-se pertencido; a respeita por sentir-se respeitado e ajuda a construí-la por sentir-se parte significativa desta construção. Se começarmos cuidando das nossas calçadas estaremos dando os primeiros passos...
PMG: Isso quer dizer que o primeiro passo começa com o envolvimento da população?
Ricky: Uma coisa que me impressionava em Barcelona é que, embora eu considerasse uma cidade modelo em mobilidade, os cidadãos estavam constantemente dialogando com o poder público e reivindicando melhorias no sistema de mobilidade que refletissem positivamente na qualidade de vida de cada um.
A atitude das pessoas reflete o grau de educação cidadã e faz com que a sociedade como um todo pressione os governantes para que políticas públicas sejam implantadas em prol de um bem comum.
No Brasil, para que a sociedade seja mais participativa nas decisões governamentais, é preciso é estreitar o diálogo entre governo, especialistas e associações representativas para que os interesses da população sejam concatenados e alcançados. Acreditamos que o Mobilize possa contribuir sobremaneira para aproximar esses grupos.
PMG: E no quesito sustentabilidade? O que seria uma cidade sustentável?
Ricky: Um modelo mais sustentável é o das cidades compactas com bairros multifuncionais, onde residência, trabalho, estudos e lazer estão próximos. Na maioria das cidades brasileiras as ofertas de emprego estão concentradas nas regiões centrais enquanto grande parte da população vive em bairros periféricos. As cidades compactas em geral são mais inclusivas socialmente e eficientes do ponto de vista energético e econômico, além de terem menor impacto ambiental.
PMG: O brasileiro já está mais habituado a este assunto?
Ricky: No Holanda e na Dinamarca o tema da mobilidade sustentável está na pauta dos governos há décadas. Na Alemanha existe um crescimento exponencial da mobilidade verde. O Brasil está acordando tarde para este tema. O termo “mobilidade” ainda causa estranhamento nas pessoas.
Quando fui fazer o Mestrado em Sustentabilidade em Barcelona, em 2004, poucos no Brasil sabiam o que significava essa palavra. Com o passar dos anos o termo sustentabilidade foi difundido pelas empresas e adotado como prática. Tenho certeza que o mesmo irá se passar com o termo “mobilidade”. Quando comecei a desenvolver o portal em janeiro as pessoas confundiam com “acessibilidade” por associarem à minha condição de cadeirante. Eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas além do PAC da Mobilidade, lançado em março pela Presidente Dilma Rousseff, estão contribuindo para difundir este conceito.
PMG: Você acredita que medidas deste tipo nascem do interesse da própria sociedade em conservar o lugar onde vive? A população também passou a cobrar por melhorias do Poder Público?
Ricky: O acesso fácil à informação faz com que as pessoas possam conhecer mais o que se passa ao seu redor, no seu bairro, na sua cidade mas ainda existe um longo caminho a percorrer. O acesso à informação não garante uma mudança de atitude. É preciso abrir mais espaços para discussões, tanto no entorno de onde vive cidadão como nas esferas governamentais, para que as políticas públicas venham ao encontro dos anseios da sociedade.
Felizmente as transformações, hoje em dia, são cada vez mais rápidas e as pessoas, através das redes sociais, se articulam com maior facilidade pressionando governos e governantes por melhores práticas.
PMG: O Mobilize também servirá como um canal de intermédio entre a população e seus gestores?
Ricky: Acredito que sim, este é o nosso grande desafio! O Mobilize surge com o objetivo de agregar, produzir e disseminar conteúdo de qualidade e relevância relacionados à mobilidade urbana sustentável e também com o objetivo de trazer à mesa de discussão políticas públicas, projetos e exemplos de melhores práticas. Para isso estamos trabalhando com diversas linguagens e mídias e explorando a interatividade com os diferentes públicos.
Junto com o lançamento do Mobilize estamos divulgando os resultados de um estudo inédito sobre “como anda a mobilidade nas maiores cidades brasileiras” revelando dados sobre a situação atual, a abrangência e a eficiência dos sistemas modais, impactos ambientais e planos de investimento em transporte nos próximos anos. Através desta “radiografia” dos sistemas de mobilidade no Brasil esperamos inspirar as pessoas a mobilizarem-se em prol desta causa que não é só minha, mas de todos os cidadãos!