quarta-feira, 18 de novembro de 2020

BREVE HISTÓRIA DO SUS * Ernesto Germano Parés

BREVE HISTÓRIA DO SUS

(Ernesto Germano Parés)

Escrevi este texto a pedido de uma querida amiga, Luzia Mercedes, que argumentou ser necessário um texto básico para a defesa do nosso Sistema Único de Saúde e que mostre o motivo de tanta mobilização imediata contra o projeto do ex-capitão insano.
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Creio que todos aqui conhecem meu compromisso com os trabalhadores e minha defesa permanente de suas lutas. E não poderia ser diferente agora.
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Já havia comentado que a luta por uma educação básica pública e de qualidade havia começado com movimentos de sindicatos que, no final da década de 1920, possibilitou um movimento pela alfabetização, reunindo professores, educadores e intelectuais. Esse movimento culminou com o Manifesto dos Pioneiros da Educação, assinado em 1932 por praticamente todo o movimento sindical e pelos educadores, independentemente das correntes ideológicas a que pertenciam. Aquele movimento foi a origem da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação no país.
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Podemos dizer que o SUS tem, mais ou menos, a mesma origem pois o movimento sindical, desde a década de 1930, vem denunciando as péssimas condições de saúde da população e o abandono em que viviam, sem uma rede de atendimento pública e de qualidade. As famílias ricas podiam pagar médicos e hospitais particulares, mas o povo pobre, sem carteira assinada morria em enormes filas sem atendimento.
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Mas apenas quase meio século depois de iniciado o trabalho dos sindicatos nesse sentido, já na década de 1980 e vivendo a Ditadura militar imposta ao país, médicos e profissionais de saúde abraçam a causa. Durante alguns anos foram realizados encontros desses profissionais analisando a situação de saúde de nossa população. Para quem não conhece, uma breve história desse período vai mostrar a importância daquela resistência.
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Após a implantação do regime de terror, os militares criaram um falso “Milagre Econômico Brasileiro” que serviu para dominar ainda mais os direitos da população. Resolveram centralizar todos os recursos da previdência social aproveitando que o tal “milagre” estava levando mais trabalhadores a empregos com carteira assinada.
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Mas, aqui, precisamos fazer uma observação: os salários eram muito baixos, em função da política de “arrocho” imposta, e os sindicatos não tinham direito a negociar aumentos com os patrões. Os reajustes salariais eram feitos por “Lei Federal” e pronto!
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Ainda assim, havia uma boa arrecadação através dos descontos em folha dos trabalhadores. Já comentei em outro artigo que, até então, a Previdência era cuidada pelos próprios trabalhadores através das Institutos de Aposentadoria e Pensão de cada setor econômico. Por exemplo, o IAPI era o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários e muitos outros (dos Comerciários, dos Trabalhadores do Estado, etc). Mas o principal destaque era que esses Institutos eram administrados pelos próprios trabalhadores que elegiam as direções e os conselhos de administração que iriam decidir onde investir os valores arrecadados.
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Os Hospitais eram de muito boa qualidade, como o Hospital dos Servidores do Estado que conheci muito bem quando meu pai precisou de tratamento.
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Mas os militares decidiram que poderiam “administrar” melhor esses valores. Acabaram com todos os Institutos e criaram o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que muitos aqui conhecem.
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Creio que não é necessário descrever como a qualidade dos atendimentos caiu e como os profissionais de saúde foram desvalorizados, com baixos salários e quase nenhuma possibilidade de crescimento nas carreiras. Mas para uma coisa o INPS serviu: dar cargos nas administrações para militares de média patente que não participavam da “boquinha” lá de cima!
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Os golpistas tentaram uma saída criando o conhecido Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1977. Era uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.
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Não vamos nos alongar mais nessa fase da história e vamos diretamente para a segunda metade da década de 1980, quando os profissionais da área, cansados de ver o atendimento cair, hospitais sem condições de trabalho e as suas possibilidades de desenvolvimento na carreira serem podadas inescrupulosamente, resolvem fazer encontros nacionais para o debate da questão e para buscarem uma proposta para melhorar a vida da população. E devemos lembrar que esse era o período de grande efervescência do movimento sindical no país, quando os sindicatos de trabalhadores começam a retomar suas verdadeiras atribuições. As greves e manifestações pela qualidade de vida dos seus associados são constantes.
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Em 1986, depois de cinco dias de debates, com mais de quatro mil participantes e 135 grupos de trabalhos para levantamento de propostas específicas para cada especialidade médica, foi finalmente marcado o encontro final, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986! E aquele foi um dos momentos mais importantes na definição do Sistema Único de Saúde (SUS) que conhecemos e debateu três temas principais: “A saúde como dever do Estado e direito do cidadão”, “A reformulação do Sistema Nacional de Saúde” e “O financiamento setorial”.
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Exatamente naquele ano o Brasil se mobilizava em torno da eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte e os trabalhadores conseguiam eleger uma expressiva bancada de representantes, pela primeira vez em nossa história!
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Foi a Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro daquele ano, que abriu caminho para a implantação de um sistema de saúde descente, de qualidade e que pudesse atender ao conjunto da população brasileira. Os críticos dizem que não era um Projeto perfeito e, realmente não era. Mas estava aberto o caminho para que, com o passar do tempo e o acúmulo de lutas, pudesse ser avançado para atender ao desejo inicial dos primeiros lutadores.
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Os governos do PT, a partir de 2003, começam a dar uma forma final àquele projeto. Certamente que, para isso, contaram com o apoio de outros partidos de esquerda e com a participação de profissionais conscientes das necessidades da saúde brasileira.
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Em qualquer livro que pesquisarmos e em todos os documentos que podemos encontrar, só podemos concluir que nunca se investiu tanto em saúde no Brasil! O Sistema Único de Saúde (SUS), sonhado pelos profissionais da área na década de 1980 foi muito fortalecido. As despesas com ações e serviços públicos de saúde cresceram 86% acima da inflação, passando dos R$ 64,8 bilhões investidos em 2003, no primeiro ano do governo Lula, para R$ 120,4 bilhões em 2016.
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Com o Mais Médicos, 63 milhões de brasileiras e brasileiros foram beneficiados. Até 2016, os 18.240 mil profissionais contratados pelo programa fortaleceram o alicerce principal da atenção básica no Brasil, a Estratégia de Saúde da Família. Assim, elevou-se para mais de 40,3 mil o número das equipes preparadas para acompanhar a saúde das populações nas periferias das grandes cidades e municípios médios e pequenos do interior.
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A partir de 2016, com a aprovação da Emenda Constitucional 95 no governo do “manequim de funerária”, o poder público congelou investimentos em saúde até 2036, gerando um prejuízo estimado em R$ 400 bilhões para a área. Além disso, uma série de políticas fundamentais estão sendo alteradas sem o aval do controle social, fragilizando a atuação do Conselho Nacional de Saúde. Por esse motivo, conselheiros e conselheiras, junto à população brasileira estão se esforçando para a realização da 16ª Conferência Nacional de Saúde. Quem sabe podemos voltar a “fazer a nossa história”?
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Só a nossa luta poderá dizer.
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Na imagem, uma cartilha produzida pela Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro (FAMERJ) e pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, em 1980. 
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